domingo, novembro 10, 2013

10 Novembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

Sinto um torpor a percorrer-me todo o corpo. A minha mente, o meu raciocínio, o meu olhar, tudo se torna uma névoa confusa, tenho de me agarrar aos móveis para assegurar que me mantenho em pé. O meu corpo funciona agora de forma autonomizada, pouco preocupado com a minha vontade. Tento acalmar-me e reler o papel. Tento encontrar uma lógica oculta. Tento convencer-me que isto é uma partida, um programa de televisão, algo semelhante. Isto é coisa de filme, não é coisa para acontecer a alguém normal, como eu.

O meu inconsciente parece ter-se conformado com a situação antes de mim, e controlado por ele, agarro no pouco dinheiro que me resta e saio do quarto. A recepção continua vazia, mas agora mais gelada. Saio do hotel e já caminhava pela rua quando sou impelido a voltar para trás. Regresso e dirijo-me ao balcão da recepcionista, vejo o caderno de registos, arranco as folhas dos dois últimos dias, e saio aceleradamente.

Atravesso as ruas sem levantar os olhos. O temor assalta-me a cada passo. O temor de ser condenado por dois crimes que não cometi. O temor de ser apanhado pelo homicida que me persegue. E acima de qualquer outro, o temor de ter enlouquecido, de ser mesmo eu o criminoso.

Viro num beco e vejo um grupo de homens sem-abrigo, sento-me perto deles, evitando os seus olhares curiosos. Parece-me um bom sítio para me esconder. Tenho de organizar as ideias, tenho de tentar encontrar uma explicação minimamente razoável para tudo isto. Um laivo de sanidade que me prove que não estou louco. Um resto de normalidade para me agarrar, preciso de qualquer coisa que me tire destes dois últimos dias.

Estes pensamentos são interrompidos quando um sem-abrigo me diz: “Desculpe… Eu acho que o conheço!”



Pedro Cardoso
Beja

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