15 Novembro 2013
Publicada por Um Dia à Vez
Hoje ao acordar reuni mentalmente
os dados dos últimos dias. Decidi que seria contraproducente permanecer mais um
dia inteiro em casa de Pierre. A questão da segurança era sem dúvida alguma
bastante relevante, mas por outro lado eu tinha a noção de que não poderia
continuar nesta toada durante tempo indeterminado. Não fazia sentido ocupar a
casa de Pierre indefinidamente.
Contudo, havia ainda outro factor
com que jogar. Não sabia se podia confiar ou não em Pierre, depois da conversa
solta que captei com quem penso ser André. Por uma questão de lógica e
coerência decidi tratar primeiro deste assunto. Embora os dois crimes que me
envolviam fossem obviamente muito mais importantes, eu não conseguiria nunca
dedicar-me convenientemente aos mesmos sabendo que Pierre poderia estar de
algum modo interligado a este enredo.
Numa primeira tentativa de juntar
algumas peças do puzzle, cheguei à
conclusão de que ter encontrado Pierre naquele beco dominado por sem-abrigos
foi um puro acaso. Mesmo partindo do pressuposto válido de que Pierre estaria envolvido
em algo contra mim, eu lembro-me nitidamente de ter corrido para um beco
aleatório quando fugi do hotel. Conseguiria Pierre de algum modo deduzir que eu
fugiria para aquele beco específico?
Tenho as minhas sérias dúvidas.
Resta a hipótese de Pierre ter
pensado em alguma trama após o nosso
encontro fortuito. Mas tal pressuposto levantaria igualmente algumas
dificuldades num plano lógico. Em especial o motivo. Não encontro qualquer
fundamento racional para sustentar a hipótese de ver Pierre voltar-se contra
mim. Não ao fim de tantos anos de amizade. E muito menos algo que envolvesse o
assassinato de duas mulheres.
E foi assim, até à hora do
almoço, que a minha mente decidiu que a conversa que ouvi estava muito
provavelmente relacionada com o seu trabalho de pesquisa. Algumas frases poderiam caber somente num contexto
algo forçado, mas a verdade é que esta hipótese me parece mais viável do que
qualquer uma das outras. E se Pierre ganhou a confiança de um sem-abrigo
qualquer que é suspeito de um crime? A probabilidade poderá ser escassa, mas é
um dado a ter em conta. Se há uma coisa que os últimos dias me ensinaram é que
as coisas improváveis podem acontecer.
Contudo, a minhas incertezas
relativamente às intenções de Pierre tornaram a emergir já ao jantar, quando eu
afirmei que amanhã iria tentar novamente visitar o hotel. Não tanto pelo que
saiu da boca de Pierre, mas mais pelos olhares que percepcionei no seu rosto.
Uma mescla de hesitação com desagrado.
- Claro, fazes bem – afirmou
cuidadosamente após alguns segundos. – Eu vou contigo.
Será que ele quer realmente
ajudar-me? Possivelmente. Mas com tudo o que já se passou é inevitável pensar
noutra palavra. Controlar-me parece o vocábulo tenebrosamente correcto. Ou
então são coisas da minha cabeça, que ultimamente tem andado perigosamente
paranóica. Não quero cometer nenhuma injustiça. Amanhã terei de ser cauteloso a
dobrar nos meus passos.
Ana
Cristina
Évora
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