23 Novembro 2013
Publicada por Um Dia à Vez
Acordei, e não consegui pensar noutra coisa que não fosse voltar à
gruta. Vasculhei pelo carro e encontrei um isqueiro com uma pequeníssima
lanterna incorporada. Enquanto me dirigia para a gruta, não pode evitar um
sorriso irónico perante a minha própria figura. É como se a minha vida gozasse
comigo, aqui estou eu, escondido no meio do mato, suspeito de 2 homicídios, com
uma lanterna do tamanho de um pirilampo para entrar numa gruta.
A forte luminosidade da aurora contrastava em absoluto com o breu que imperava na gruta, bastaram-me 7 ou 8 passos no seu interior para que já não conseguisse ver nada. A luz trémula e ridícula da minha lanterna, pouco mais fazia do que mostrar-me se ainda tinha espaço em frente para prosseguir, ou se estava prestes a bater em pedra.
Após cerca de 20 minutos a andar, às voltas num espaço confinado que ainda assim me pareceu bastante maior do que aparentava a uma mirada mais desatenta, houve algo que me deteve. No chão da gruta, havia uma parte oca. Por entra a areia e algumas pedras, havia algo que só podia ser um buraco. Apressei-me a tentar desenterrar o que quer que fosse que estivesse por baixo daquela areia, mas a luz mísera do meu isqueiro-lanterna, não me ajudou. Depois de alguns minutos e de muitas feridas nas mãos, vi madeira, e foi fácil perceber que se tratava de um alçapão. Assim que o vi, fui invadido por uma gargalhada doentia…
Levantei-me, ri, gritei, ri mais, gritei mais.
-Um alçapão numa gruta? Só falta encontrar um tesouro! Quando é que aparece o Nicholas Cage, e se prova de vez que estou numa porcaria de um filme americano?
Não tenho a certeza se foram estas as minhas palavras exactas, mas foi algo de semelhante. Depois de me acalmar, abri cuidadosamente o alçapão e com a ajuda da luz mínima da minha lanterna consegui discernir por entre a escuridão e as teias de aranha, uma escadaria. A hesitação e o temor são dois luxos dos quais já me vi forçado a abdicar, como tal, sem pensar comecei a descer a escadaria.
Tinha dado e passos, quando (previsivelmente) tropecei e acabei a rebolar pelos degraus. A minha aterragem foi menos dura do que imaginei, mas ainda assim foi o suficiente para magoar bastante. A custo levantei-me, tentando ignorar as dores que atacavam o meu tornozelo. O isqueiro que, muito habilmente, consegui conservar comigo durante a queda, foi de novo acendido, para mais uma vez me dar uma visão parca do local. Detive-me numa parede, onde me pareceu encontrar um texto, aproximei-me e finalmente a luz da minha lanterna iluminou-a, era um excerto de um poema, e eu reconheci-o:
“Assim eu quisera uma noite,
Quando a hora
da volúpia soa,
Às frondes de
tua pessoa
Subir, tendo à
mão um açoite,
Punir-te a
carne embevecida,
Magoar o teu
peito perdoado
E abrir em teu
flanco assustado
Uma larga e funda
ferida,
E, como êxtase
supremo,
Por entre esses
lábios frementes,
Mais
deslumbrantes, mais ridentes,
Infundir-te,
irmã, meu veneno!”
Reconheci, automaticamente, este poema de
Baudelaire. Eu já o tinha lido, eu já o tinha ouvido, eu já o tinha visto, mas
onde? Não me sobrou tempo para meditar sobre isto, porque fui interrompido por
um restolhar, do outro lado da sala!
Dom Sou Quem Não Sei Ser, Porto
(pseudónimo)
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