7 Novembro 2013
Publicada por Um Dia à Vez
O dia de hoje amanheceu outonal. O céu
pintado de nuvens rebeldes e um ventinho fresco a fazer ondular as copas dos
plátanos bem defronte à minha janela. Gosto muito de acordar e abrir a janela,
tomar o pulso ao ritmo da cidade sentindo os seus sons e odores matinais. No
centro da cidade, onde ficava o meu
pequeno apartamento, o bulício fazia-se notar logo bem cedo.
Sinto imediatamente a presença do meu gato, um
europeu amarelo tigrado de olhos verdes, roçando-me as pernas: «miauuuu» diz-me
ele, reclamando festas e atenção. Sorrio. Lembro-me do dia em que o resgatei da
rua, pequeno e frágil, esfomeado, suplicando protecção… foi difícil mostrar-me
indiferente. Na altura, um acto instintivo, nunca antes tivera gatos, revelou-se
com o tempo numa agradável e salutar companhia. Dei-lhe o nome de “Bruce”
homenageando, de certa forma, o meu cantor preferido e aludindo ao facto de, no
momento em que o encontrei na rua, se ouvir o “Human Touch” vindo de um
automóvel ali estacionado.
Por falar em companhia e contrastando com o
cinzento da manhã, recordo Mariana… Ahh!! Que deliciosas memórias, quem lhe
dera ter podido parar o tempo na tarde de ontem. O coração enfeita-se, quase
sem querer, com um extraordinário arco-íris, tomando a leveza e a ingenuidade
dos sonhos. Na verdade, o que o coração ama permanece eterno e o seu provava,
inequivocamente, que assim era.
Na cozinha tento retomar a rotina da vida
citadina: fazer um café, preparar as torradas, alimentar o Bruce (não me posso
esquecer que vou ter que lhe comprar biscoitos), ajeitar os mantimentos
trazidos da “terra” tão carinhosamente acondicionados pela tia Elvira. Adorava
os “mimos” da tia Elvira, os produtos da aldeia mantinham aquele saudoso
gostinho tradicional que o faziam viajar no tempo sempre que os comia. Tinha
que lhe telefonar, agradecer-lhe novamente, dizer-lhe que havia chegado são e
salvo ao seu destino.
Enquanto tomo o pequeno-almoço, rabisco
mentalmente a agenda do dia: ir ao banco efectuar a transferência para o
pagamento da renda da casa (amanhã seria o último dia para o fazer), comprar o
jornal no quiosque da praceta (sempre com a secreta esperança de um anúncio de
emprego à sua medida), ir aos correios registar duas cartas (duas respostas a
duas propostas de trabalho), carregar o telemóvel para ligar à tia Elvira (e
tentar, subtilmente, obter pormenores da Mariana…).
Estava desempregado, resultado de não ter
sido colocado no último concurso de professores e nunca antes havia sentido
aquela inquietante sensação de “excluído” ou “preterido”… «ok, será uma
situação temporária», e repito para mim próprio este desejo de que a realidade
se modifique rapidamente.
Já na rua, encho o peito de ar e respiro
fundo. É tempo de encetar uma nova “batalha”, de enfrentar o “inimigo” e nada
como o fazer de assalto, logo pela fresquinha. O hábito de me levantar cedo
para ir dar aulas ainda se mantinha entranhado na minha pele e o vício de
encarnar personagens históricas também… Hoje seria um valente e destemido cavaleiro,
exímio no manuseamento da espada à semelhança de Nuno Álvares Pereira. Já
sentia saudades das aulas, dos horários corridos, dos cenários ficcionalmente criados
por si de forma a motivar e a fazer despertar o interesse dos seus alunos pela
História, das reuniões, das correcções dos testes… (“raio” de curso fui eu
tirar, pensava às vezes) mas logo se arrependia desse estado de espírito pois
nenhuma outra disciplina o realizava nem o fazia viajar tanto no tempo…
Paulla Joaquinito
Alenquer
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