5 Novembro 2013
Publicada por Um Dia à Vez
Chegou o dia de deixar para trás a “terra” e regressar à
fúria urbana. Trocar o cheiro a campo por injecções gasosas de monóxido de
carbono. Trocar a monotonia entre as árvores pela monotonia entre os prédios.
A minha tia Elvira veio dar-me um dos seus abraços mais
longos que apertados e reparei que os seus olhos se humedeceram quando a
larguei! “Vá com cuidado Fernandinho”. Saí sabendo que não teria de responder a
esse nome nos próximos tempos, pois apenas a minha tia Elvira o utiliza, todos
os outros optam por Francisco e felizmente nunca ninguém fora da “terra” ficou
a saber que me chamo Francisco Fernando!
Preparei-me para regressar e coloquei o meu saco de viagem
dentro da mala do carro. Aproveitei depois para ir dar um último passeio.
Caminhei por entre aquelas ruas, que de tão pequenas se tornam hospitaleiras.
Parei na “Taberna do Milho”, à porta acorreu a Dona Emília para me
cumprimentar. Entrei, pedi um café e deixei-me ficar a ouvi-la: “ …pois porque
a gente tinha pensado ir a Genebra pelo verão, a minha irmã Laura já pensou em
vir mas não pode largar o marido. Mas sou-lhe sincera menino, não tenho
saudades nenhumas daquilo… Se lá fosse ia só ver a Laura e lhe garanto que não
ficava mais que 3 dias, até porque o meu Carlos gostava de conhecer Neuchátel e
por isso aproveitávamos e íamos nessa altura. Mas depois a Laura acabou por ter
de ir a Zurique, e quando voltou já não dava para nós aqui, por isso ficámos de
combinar, mas agora não sei quando é que poderei ir…”
A Dona Emilia continuou, mas a minha mente já se afastara das
peripécias suíças, porque ela entrou… Ela entrou pela porta, estava diferente,
muito diferente, mas não restavam dúvidas… Dirigiu-se ao balcão cumprimentando
a Dona Emília não prestando a menor atenção ao seu interlocutor (eu). Algo na
face dela me fez hesitar, algo me fez pensar que me tinha enganado, algo me fez
desviar o olhar, mas a Dona Emília não deixou a dúvida subsistir. Acercando-se
dela, perguntou: “Então menina Mariana, o que vai ser?”
Sem uma única palavra, tentei de soslaio estudar a mulher que
estava sentada do meu lado direito. Estava demasiado intimidado para falar com
a Mariana que me acompanhara praticamente durante toda a minha infância. E não
conseguia explicar porquê. Havia algo na sua face, algo que toldava o conforto
que eu sempre sentira ao pé dela. Engoli em seco e arrisquei lançar um olhar
mais longo de revés.
“Olá Francisco”. Foi o que ouvi da sua boca. Fiquei também
com o sangue gelado, mas não por causa do cumprimento de Mariana. Poderei estar
a ficar maluco, não ponho essa hipótese de lado… mas podia jurar que, durante
uma fracção de segundo, vi um lampejo ligeiramente escarlate oriundo dos seus
olhos castanhos.
Carlos Esteves,
Faro
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