26 Novembro 2013
Publicada por Um Dia à Vez
Raramente a vida acontece como a
pensámos.
Quando miúdo, a aldeia era o meu
paraíso e refúgio. Era aí que eu vivia com intensidade os afectos que iam
construindo a minha vida. Era aí que eu queria permanecer para sempre, para
eternizar os dias felizes, infinitos no olhar da criança extasiada perante esse
mundo primordial.
Do alto do outeiro, que me evoca
a aldeia longínqua, pressentindo-a magoadamente do outro lado do mundo,
esmagada pela paisagem melancólica do Outono, que paira tranquila sobre as suas
casas e gentes, caio em mim e pergunto-me por que razão nada do que imaginei
aconteceu, o que me levou a fazer um percurso inverso a esse sonhado. Depois, revejo
em segundos os acontecimentos dos últimos dias da minha vida num caleidoscópio
descontrolado, veloz, e a estupefacção sobe de tom.
Neste desejo de evasão, ligo-me
com afinco a um espaço mais onírico do que real. Quando aí estive da última
vez, com a minha mãe na homenagem cumpridora do ritual de cada ano a meu pai,
fantasma já longínquo, mas contudo ainda figura tutelar e aglutinadora da
família,
(filho, é mesmo História que
queres tirar?, Joaquim, deixa o Francisco seguir o que gosta, Sim, mas é para
bem dele que chamo a atenção, pai, eu sei, agradeço a sua preocupação, mas já
decidi)
estava longe de imaginar a
alteração rocambolesca que a minha vida sofreria nos dias que se seguiram até
hoje e que me trouxeram aqui a este nenhures .
Nos últimos anos, perante a
situação de desemprego, desprezei a pacatez que me dominava, queixei-me da
rotina exasperante, lamentei a inércia atrofiadora, sofri com a pequenez dos
meus dias. Aquela deslocação à aldeia, imposta pela minha mãe, sem margem a
qualquer escusa da minha parte, parece ter sido o ponto de partida desta
tenebrosa agitação que agora vivo. Como se as forças telúricas se conjurassem
contra mim e me quisessem castigar da falta de convicção em relação às minhas origens
e identidade. De facto, foram muitos os anos que passei fora daquele universo
sereno e acolhedor, berço de família, de amigos e de primeiros amores,
(Mariana, por que me procuraste naquele
dia? Que segredo encerra a tua morte?)
seduzido pelo apelo da cidade e
da sua vida enganadoramente atractiva e tão … cansativa. Esse “supremíssimo
cansaço/ íssimo, íssimo , íssimo/ cansaço…” de que falava Álvaro de Campos e
que rapidamente tomou conta de mim, minando-me a vontade e a alma.
Mesmo assim, apenas pontualmente e
sempre de fugida voltei à aldeia. Também ela parecia não valer o esforço de uma
tentativa de reconciliação com o espaço.
Por isso, reinventando-a agora,
pergunto-me quem seria eu se ali tivesse vivido. Teria respondido ao sonho? ou
a vida é toda um equívoco, independente do espaço onde é vivida? andamos tão
distraídos de nós próprios que não nos desencaminhamos do rumo certo? passamos
ao lado das nossas vidas sem nos apercebermos do tempo e do espaço que definham
à nossa passagem? tudo morre antes que possamos fazer alguma coisa? não
acreditamos nos encontros determinantes do nosso percurso? exterminamos tudo à
volta? o tédio é o grande massacre,
presença pesada e severa, tentacular , “esse supremíssimo cansaço”…
A força desta terra desconhecida,
onde por ora me refugio, começa a fazer-se sentir, talvez por me trazer a outra
de volta, que me redime generosamente de um percurso feito de costas voltadas
para ela. Sinto que tenho de encetar a demanda de mim próprio, para
restabelecer a ordem no caos. As respostas não podem ficar por dar. Cabe-me
partir à procura delas.
O magnífico Torga ostenta o
impacto do mito de Anteu na sua poesia, sentindo-se revigorado sempre que toca
na terra, adquirindo novas energias e força construtiva. Nada mais verdadeiro.
Toda a minha vontade se recompôs numa firme decisão: não vou entrar na gruta.
Esta é para mim a metáfora do labirinto e da escuridão profunda da minha vida.
Está na hora da rejeição.
Não vou continuar a fugir,
(Mariana, não duvides, prometo
que te vou dar a resposta, tu mereces isso, foste o meu único amor, ingénuo e
verdadeiro, durante muito tempo sem o saber…)
esta terra, transportando-me oniricamente
para a terra-berço, dá-me o ânimo essencial para voltar a Lisboa e enfrentar a
verdade.
Maria Eugénia Alves
Loures
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