quarta-feira, novembro 06, 2013

6 Novembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

Depois de, no encontro fortuito com Mariana ontem no café, a ter informado que hoje partiria para a fúria urbana, o vermelho escarlate que vira nos seus olhos voltou a transformar-se no castanho claro acolhedor que eu tão bem conhecia.

Falamos durante horas, demos a volta à pequena aldeia, reencontrando os nossos antigos lugares de brincadeira e de amor. Aquela terra tinha visto a nossa relação de amizade crescer desde a infância e à medida que íamos percorrendo as ruas estreitas o meu nervosismo inicial desapareceu.

A Mariana sempre fora bonita, mas os anos acabaram por dar o toque final, como a cereja em cima do bolo. Lembrava-me dela como uma verdadeira mulher do Norte tal qual a descrição de Miguel Esteves Cardoso onde este diz que “As raparigas do Norte têm belezas perigosas, olhos impossíveis. Têm o ar de quem pertence a si própria. Andam de mãos nas ancas. Olham de frente. Pensam em tudo e dizem tudo o que pensam. Confiam, mas não dão confiança. Acho-as verdadeiras. Acredito nelas. (…) São mulheres que possuem; são mulheres que pertencem. (…)”. Esta era a descrição perfeita da minha Mariana. E no meu íntimo mais profundo também acreditava que eram elas, as mulheres do Norte, mulheres como Mariana, que deviam mandar no país, por “terem ar de saber o que estão a fazer” como também dizia Miguel Esteves Cardoso.

Despedi-me da aldeia, da tia Elvira, da Dona Emília, de Mariana… Arranquei às oito e meia em ponto rumo à cidade, ao barulho, à procura intensiva de emprego, às contas para pagar, ao fastfood.
No carro, durante as largas horas de viagem, Mariana e a tarde do dia anterior não me saíam do pensamento. Fiquei admirado quando ela me confessou a sua vontade secreta de um dia sair da aldeia e fugir para a cidade, onde podia encontrar um emprego melhor e ser mais independente. Imaginei-a na cidade… uma mulher mais cuidada, mais sofisticada na maneira de se apresentar… ainda mais bonita…

Sonhei que ela estava solteira e realmente era verdade… Ou melhor, seria um sonho? Uma mulher como ela ainda estar disponível? A minha Mariana, um poço de qualidades escondidas, uma personalidade de anjo, uma
inteligência notável ainda não ter sido descoberta por ninguém que lhe desse o devido valor?

A vida parecia estar a querer juntar-nos de novo, depois de tanto tempo. E eu não conseguia parar de pensar na coincidência de nos termos encontrado, no meu sonho e no facto de ambos estarmos disponíveis.

Parei numa estação de serviço para comprar água, estava um calor infernal. Diziam que este ia ser o Verão mais frio dos últimos duzentos anos, porém acabou por tornar-se o mais quente dos últimos quarenta, e conduzir com o calor era quase insuportável.
A única fonte de alegria era a de que a viagem estava no seu término, e que daqui a nada estaria deitado na cama, no meu apartamento do centro da cidade, a beber qualquer coisa fresca que possivelmente teria ainda no frigorífico.

Este dia, para além de cansativo devido à viagem e de ter de desfazer as malas, foi repleto de memórias.

E as memórias também cansam…

São sentimentos guardados há muito tempo que voltam ao de cima. Eu e a Mariana éramos pessoas diferentes daqueles jovens de à 14 anos atrás, a vida tinha-nos moldado, os nossos sonhos não tinham sido todos realizados, não tínhamos casado e tido filhos nem uma vida pacata na aldeia como desejávamos, por exemplo. Porém havia algo dentro de nós, uma essência daquilo que éramos  uma réstia de esperança, o chamado espírito aventureiro da adolescência talvez… Havia algo que nos unia como dantes, algo que a fazia rir com as minhas piadas toscas e talvez esse fosse o mesmo algo que me fazia olhar para ela e reparar e “reapaixonar-me” por cada detalhe…

A minha vontade era ter ficado na aldeia e poder copiar e colar nos dias seguintes a tarde de ontem. Conhecer mais a Mariana com trinta e três anos…

Agora só quero voltar à aldeia e trazê-la… mostrar-lhe os encantos da cidade, dar-lhe um espaço no meu pequeno apartamento, ajuda-la a cumprir o seu sonho de ser uma mulher independente, sofisticada como aquelas que apareciam nas novelas da TV.


Mariana Neves
Gondomar, Porto

2 comentários:

  1. Pelo que li nos diários anteriores, Francisco teria ido passar o fim-de-semana à aldeia por ser dia de Todos os Santos. Deste modo esta passagem parece-me um tanto desajustada: "Parei numa estação de serviço para comprar água, estava um calor infernal. Diziam que este ia ser o Verão mais frio dos últimos duzentos anos, porém acabou por tornar-se o mais quente dos últimos quarenta, e conduzir com o calor era quase insuportável."
    De qualquer forma, muitos parabéns pelo texto. :)

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  2. pena são os erros "pesados" : "À 14 anos..." este é forte!

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