sexta-feira, novembro 29, 2013

29 Novembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

A intuição às vezes não funciona — passou mais um dia e continuo sem saber quem matou a Mariana. Também continuo preso.

Hoje a minha mãe soube que eu estava preso. Veio cá. Nunca a vi naquele estado. Quase tão desorientada como eu. Custou-me vê-la assim, mas há tanta coisa a passar-se na minha vida que isso agora não é mais que um mero facto, sei lá, banal. Sinto-me repugnante nos intervalos em que afasto o meu pensamento da procura incessante de uma explicação para tudo isto. Fui distante com ela, mesmo sendo que nunca a vi parecer sofrer tanto. Juro, não foi com intenção, mas no estado em que estou não sou nem capaz de me ajudar a mim mesmo, quanto mais outra pessoa. Sou horrível.

Ela não quer acreditar que tenha sido eu o homicida, mas teme-o com todas as suas fibras. Talvez corra lá na aldeia que terei sido eu. O mais natural é que pensem isso. Eu próprio penso. Eu penso tudo, e nada faz sentido. A minha mãe foi embora talvez pior do que veio.

Hoje falei com um advogado que me foi atribuído. Não consegui obviamente contar-lhe o que (eu acho que) se passou. Mas também não lhe soube contar qualquer outra história plausível. Apenas lhe disse que não era culpado. A mãe também disse que ia arranjar outro advogado. Não consigo preocupar-me com isso para já. Ela que trate disso. Eu nem sei, talvez aqui seja mesmo o melhor sítio para eu estar neste momento. Talvez seja o sítio mais seguro. Para mim e para os outros. Estou a tentar usar o tempo que estou detido para primeiro estruturar o meu pensamento, a minha cabeça. Só depois disso pensarei como estruturar a minha vida. Pelo menos é esse o plano. Não que pareça que esteja a resultar por hoje…

O que foi real de tudo isto?

Isto parece um sonho, nada faz sentido. Eu já não sei mesmo se estou num sonho ou não. Mas não se costuma pensar isto nos sonhos. Sinto-me tão perdido. É horrível não poder crer em mim próprio. Quando desconfias de ti, então desconfias de tudo o que vês. Sinto-me enlouquecer.

Mas assumindo que estou no mundo real… De tudo o que me “lembro” muito deve ter realmente acontecido porque me encontro preso. Portanto a Mariana morreu. E também a rapariga do Hotel, porque sou suspeito de dois homicídios —disseram-me quando me prenderam.
Quanto ao Pierre também deve ter sido verdade. Tive de estar em algum lado durante aqueles dias. Ainda assim não é certo. E diga-se, é uma coincidência muito estranha. Se o visse tudo era confirmável. Se ele estiver por cá há-de vir visitar-me. Por esta hora já saberá? Se ele vier saberei se foi verdade. Se não vier estarei na eterna dúvida.

No que toca aos dias no monte não tenho nenhuma certeza. É estranhíssima toda a história da caverna. Uma caverna de tais dimensões… Um alçapão… Nem para mim é credível. Mas o pior, aqueles corpos mutilados que vi (terei visto?) quando lá voltei. O cheiro pútrido. Porquê só mulheres? E aquela parede escrita em sangue… E logo com um poema que eu conheço? Maldito alçapão. Já creio mais que seja um alçapão para o meu subconsciente tétrico. Estarei maluco? Dentro de mim pode haver algo tão negro, capaz de gerar, ainda que imaginado, tamanho horror? Bem, das duas uma: ou a resposta é sim, ou então dentro de outra(s) pessoa existirá algo ainda pior — capaz de o gerar na realidade. E ainda não está excluído que essa pessoa seja eu mesmo… Se pudesse sair de cá poderia negar ou confirmar, sabe Deus, a existência de tudo aquilo. Ainda tenho algumas dores no tornozelo, mas isso pode ter sido feito em qualquer lado…

Ainda perguntei ao advogado se com o interrogatório a polícia ficou mais ou menos convencida que eu sou culpado. Ele disse que não tem acesso a essa informação. Mas eu preciso ter. Acho que confio mais no juízo da polícia do que no meu.

Hoje ao fim da tarde fui transferido da cela da esquadra para a prisão onde vou ficar, “até ordem em contrário”. Noutras circunstâncias seria interessante descrever a prisão, as rotinas, os outros reclusos… Mas isso agora é somente irrelevante.
Só quero uma luz, um fio guia, algo para me agarrar, uma tábua de salvação de lógica neste mar de absurdos…

Estou a afogar-me.


José Costa

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