3 Novembro 2013
Publicada por Um Dia à Vez
Dói-me o estalo e doem-me, agora, as recordações que me assaltaram logo que pus o pé na soleira da porta da casa onde já fui tão feliz. Cheguei, já noite, debaixo de uma tempestade que me encharcou, até aos ossos, quando tive que fazer o percurso, a pé, desde o lugar onde estacionei o carro até à porta de casa onde, já sem esperança que viesse, a minha mãe não me esperava. A estrada, em obras, esburacada e intransitável denunciava a vitória recente do presidente da junta que ganhou as eleições em Setembro e que, recordara-me a minha mãe, na véspera, “ainda é teu primo”. Não me lembrava… aliás, lembro-me que da última vez que vim a Caldas de Insalde me saltaram ao pescoço, beijando-me e abraçando-me, uma série de primos que eu não sabia que tinha e que me lembravam a cada frase o parentesco, “primo para aqui, primo para ali”.
Deitei-me, de seguida, com a recomendação da minha mãe: “olha que a missa é às nove” e custou-me a adormecer. Este foi o quarto das férias da minha infância e da minha adolescência. As estantes estão no mesmo sítio, com os mesmos livros e escondida debaixo de uma tábua solta do soalho, uma revista da Playboy, muito antiga, que girava entre os rapazes da turma do 12º ano e que estava comigo na altura das últimas férias que passei aqui, no ano em que fui para a faculdade, e lá ficou esquecida.
A escolha do curso, História, “História? -perguntou-me o meu pai- História, tens a certeza? Letras são tretas!” esquecendo-se que foram as histórias que ele me contou que construíram esta paixão pelo passado e por tudo o que seja antigo. Mas a escolha do curso, dizia eu, levou-me para Albico onde, com a desculpa de frequências tardias e exames de 2ª época para “melhoria de nota”, acabei por passar as férias de verão dos anos de faculdade e estágio, não tendo voltado aqui até hoje.
A chuvada que apanhei ontem, à noite, fez o seu trabalho e o nariz a pingar e a rouquidão da minha voz levaram a Elvira a condoer-se do Fernandinho, “coitadinho” e a preparar-me um chá de gengibre e canela adoçado com mel, “purinho”, diz ela no seu sotaque beirão serrado. Enquanto regresso a este sabor da infância e, apesar da constipação, sinto o cheiro do café acabado de fazer e das torradas que estão cobertas de fatias de manteiga, a escorrer gordura, vou ouvindo a tagarelice da Elvira que me vai contando as novidades da terra: quem morreu, quem casou, quem teve que emigrar, quem teve filhos, quem se separou e voltou a casar e é um chorrilho de nomes que já não reconheço e de personagens de uma história que já não sinto como minha. Aguardo que, junto com o olhar de comiseração habitual, venham as perguntas habituais: e o Fernandinho? Já arranjou emprego? E namorada? E quando casa? Olhe que a gente não vai para nova… e, elas não tardam. Felizmente oiço já a minha mãe a descer as escadas e sei que ela, com o habitual mau humor matinal, vai pôr fim à conversa sem que eu tenha que explicar à Elvira que não, que não tenho emprego, que continuo à espera de colocação e que assim, a viver do subsídio de desemprego e do pouco dinheiro que recebo de uns direitos de autor de um livro que escrevi há anos, não é fácil ter uma namorada quanto mais uma mulher… Maldigo, aos meus botões, mais uma vez, a escolha do curso que que tirei que só me permitiu ser colocado, a dar aulas, em horários temporários e várias vezes incompletos, mal pagos e desmotivantes, que me fizeram correr o país de lés a lés sempre com a esperança de que “isto vai melhorar”.
O nome da Mariana dito, num sussurro, pela Elvira e que a minha mãe, prontamente, calou com um shiu acordou-me do meu torpor e deixou-me sem pinga de sangue!
-Mariana? A Mariana está cá? Porque não me avisou, mãe?
-Porque haveria de avisar? O que é que a Mariana te interessa, Francisco? Tem juízo!
Deitei-me, de seguida, com a recomendação da minha mãe: “olha que a missa é às nove” e custou-me a adormecer. Este foi o quarto das férias da minha infância e da minha adolescência. As estantes estão no mesmo sítio, com os mesmos livros e escondida debaixo de uma tábua solta do soalho, uma revista da Playboy, muito antiga, que girava entre os rapazes da turma do 12º ano e que estava comigo na altura das últimas férias que passei aqui, no ano em que fui para a faculdade, e lá ficou esquecida.
A escolha do curso, História, “História? -perguntou-me o meu pai- História, tens a certeza? Letras são tretas!” esquecendo-se que foram as histórias que ele me contou que construíram esta paixão pelo passado e por tudo o que seja antigo. Mas a escolha do curso, dizia eu, levou-me para Albico onde, com a desculpa de frequências tardias e exames de 2ª época para “melhoria de nota”, acabei por passar as férias de verão dos anos de faculdade e estágio, não tendo voltado aqui até hoje.
A chuvada que apanhei ontem, à noite, fez o seu trabalho e o nariz a pingar e a rouquidão da minha voz levaram a Elvira a condoer-se do Fernandinho, “coitadinho” e a preparar-me um chá de gengibre e canela adoçado com mel, “purinho”, diz ela no seu sotaque beirão serrado. Enquanto regresso a este sabor da infância e, apesar da constipação, sinto o cheiro do café acabado de fazer e das torradas que estão cobertas de fatias de manteiga, a escorrer gordura, vou ouvindo a tagarelice da Elvira que me vai contando as novidades da terra: quem morreu, quem casou, quem teve que emigrar, quem teve filhos, quem se separou e voltou a casar e é um chorrilho de nomes que já não reconheço e de personagens de uma história que já não sinto como minha. Aguardo que, junto com o olhar de comiseração habitual, venham as perguntas habituais: e o Fernandinho? Já arranjou emprego? E namorada? E quando casa? Olhe que a gente não vai para nova… e, elas não tardam. Felizmente oiço já a minha mãe a descer as escadas e sei que ela, com o habitual mau humor matinal, vai pôr fim à conversa sem que eu tenha que explicar à Elvira que não, que não tenho emprego, que continuo à espera de colocação e que assim, a viver do subsídio de desemprego e do pouco dinheiro que recebo de uns direitos de autor de um livro que escrevi há anos, não é fácil ter uma namorada quanto mais uma mulher… Maldigo, aos meus botões, mais uma vez, a escolha do curso que que tirei que só me permitiu ser colocado, a dar aulas, em horários temporários e várias vezes incompletos, mal pagos e desmotivantes, que me fizeram correr o país de lés a lés sempre com a esperança de que “isto vai melhorar”.
O nome da Mariana dito, num sussurro, pela Elvira e que a minha mãe, prontamente, calou com um shiu acordou-me do meu torpor e deixou-me sem pinga de sangue!
-Mariana? A Mariana está cá? Porque não me avisou, mãe?
-Porque haveria de avisar? O que é que a Mariana te interessa, Francisco? Tem juízo!
SC, Vila Real
Eheheh estava ansiosa para ver para onde levavam a história a seguir.
ResponderEliminarSó uma questão? O Fernandinho é propositado? Uma vez que se chama Francisco.
Mas lá está, pode ser, Francisco Fernando ^_^