9 Novembro 2013
Publicada por Um Dia à Vez
Acho que consegui dormir algumas horas. Sinto os olhos
cansados e a cabeça a latejar; as minhas mãos estão frias e trémulas.
Forcei-me, vezes sem conta, a reviver a noite passada: o
tema de conversa durante o passeio, a quantidade de vinho tinto que bebi ao
jantar, o sabor da pele de Mariana, os nossos corpos num só… Mais nada. Tudo o
resto é uma tela em branco.
Passo o tempo a caminhar de um lado para o outro neste
quarto. Está a deixar-me claustrofóbico... E esfomeado. Abro as cortinas da
janela e espreito: o Sol já ilumina as ruas e o tráfego é fluído. Olho para o
relógio que trago no pulso esquerdo, ainda manchado de sangue: dez horas e
meia.
Passo minutos intermináveis a tentar decidir como vou sair
deste maldito quarto. Será que andam à minha procura? Esforço-me por pensar
melhor, pôr as ideias em ordem: a melhor forma de descobrir se alguém está à
minha procura é lendo o jornal ou vendo as notícias. Alio então o útil ao
agradável: decido sair para procurar um quiosque e um supermercado. A fome fala
mais alto.
Tirei o relógio e lavei a cara, passando os dedos pelas
olheiras carregadas como sombras; precisava de aparentar o mais normal possível.
Vasculhei a mala: entre roupa amarrotada e meias sem par, encontrei um boné
preto, gasto. Não sei como raio foi parar à mala; de facto, não me lembro de
ter posto toda aquela roupa lá dentro.
Acabei por encontrar um desodorizante, que usei em grande
quantidade. Alcancei a minha carteira, onde encontrei uma nota de cinco euros. Calcei
as sapatilhas, coloquei o boné e lancei um último olhar ao meu reflexo: um
homem alto, magro, com olhos cor de avelã e uma expressão confusa fitava-me de
volta. Respirei fundo várias vezes até que finalmente consegui abrir a porta do
quarto: não havia ninguém no pequeno corredor.
Calculando cada passo, dirijo-me às escadas. Desço três
andares até finalmente chegar ao piso da entrada. Olho em redor: no pequeno
vestíbulo, de aspecto velho, está uma jovem morena, com o cabelo apanhado num
puxo, sentada à secretária da recepção. Cumprimenta-me com um sorriso caloroso:
- Bom dia.
Retribuo, tentando parecer o mais natural possível, e saio
do hotel. Desço a rua desconhecida em passo de marcha, olhando para todos os
lados. Após cerca de dez minutos, entro numa papelaria. Peço o Diário de Notícias,
pagando-o. Olho em redor: não parecem existir câmaras de vigilância. O
funcionário da loja (um senhor de cabelos grisalhos e rugas vincadas) pareceu
também agir normalmente. Já com um pé na calçada, respiro fundo e remexo o
jornal. Nada alusivo ao caso – e nada sobre mim.
Minutos após mais uma caminhada, encontro um minimercado.
Com o dinheiro que restava, consigo comprar três pães e um pequeno pacote de
bolachas. Sinto-me mais aliviado: não existe nada de alarmante nas feições de
quem me observa.
Mais calmo, faço o caminho de volta ao hotel a passadas mais
lentas. O meu raciocínio parece funcionar novamente: deverei levantar o
dinheiro que tenho no banco? Mas… não parecerá suspeito? Por outro lado, e se
tiver de me esconder e não tiver nada comigo?!
Quando chego ao hotel, uma corrente gelada percorre-me a
espinha. As portas envidraçadas estão manchadas de vermelho. Dedadas enchem-me
a visão. Respiro pesadamente. Será uma alucinação?!
O meu coração dispara em alarme: a jovem da recepção! Com a
mão direita, empurro a porta a um ritmo lento: o vestíbulo parece estar
arrumado. A mobília não foi remexida.
- Está aí alguém? – Pergunto, hesitante; ninguém responde.
Entro e vasculho em todos os cantos e até debaixo da
secretária: nada. Nem um pingo de sangue.
Em pânico, corro para o quarto. Galgando os degraus,
deparo-me rapidamente com o corredor. Cai o jornal, caem o pão e as bolachas e,
cedendo os joelhos, caio eu também.
O corpo da jovem morena, contorcido num ângulo estranho, jaz
à porta do meu quarto. Os seus olhos fitam-me, numa expressão de pavor. Na sua
testa está colado um papel com dedadas vermelhas, dobrado em dois. A minha boca
está seca e mal consigo respirar. Movido sei lá eu por quê, alcanço o papel.
Desdobro-o.
“A minha vida pela tua,
Uma vez mais.”
Bem, mas que grande novelo pra'qui vai! Parabéns!
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