terça-feira, dezembro 31, 2013

31 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

Hoje é o ultimo dia do ano, e por algum motivo acordo bem mais lúcido do que em qualquer
outro dia que tenha passado nos últimos tempos. Noto agora que os dias têm passado por mim
e não eu por eles.

Continuo num espaço completamente branco, digno de paz, mas tudo à minha volta me inquieta. Tenho um espelho que me reflete, mas sinceramente não sou eu que vejo. Ali, mesmo à minha frente está um corpo alterado, diferente daquilo que estou habituado a reconhecer, aquilo que ainda me lembro do que eu era.
O corpo magro, que agora tenho, pesa-me. As forças escasseiam, mas a vontade de perceber
onde estou e de poder sair deste lugar é maior.

Sinto que acordei de uma noite longa, em que excessos foram cometidos e não devem ser repetidos. Talvez tenha exagerado mesmo, pois não me lembro de nada do que se tenha passado. Por vezes tenho vagas memórias de anões e pinguins que me acompanharam em aventuras, mas nada disso faz sentido. Eu ainda consigo ser racional e perceber o que é realidade e o que não faz sentido. Quero memórias reais, de coisas capazes de terem acontecido e fazerem sentido nesta minha nova vida neste espaço branco que me acolheu,
mas não me deixa escapar.

Lá fora ouço passos de um lado para o outro, de um lado para o outro, e assim sucessivamente. Uma enorme agitação envolvida em risos e gritos de excitação. Estão nitidamente mais felizes do que eu, o que não é de estranhar. Recordo-me que nunca fui uma pessoa muito risonha ou até mesmo feliz. "A vida não me corre bem." A velha frase em que tão bem me aplico.

Lembro-me de novo, hoje é o último dia do ano. Lá fora devem estar esperançosos que um melhor ano virá, que objectivos e desejos se concretizaram. Cá dentro, eu já só queria ver um pouco do fogo de artificio que ouço, mas a única coisa que vejo, e que é algo semelhante, são clarões. Clarões de quem está fraco e de ressaca. Estou deitado num chão gelado, tremo, não de frio, mas sim de fraqueza. Sou um corpo
estendido que precisa de mais do que ser alimentado para recuperar. De todas as vezes que ouvia a música "Ratos", dos Linda Martini, questionava-me o que queriam eles dizer com a frase: "Os ratos vão-me
devorar". Hoje percebo, ou melhor, hoje sinto-o.

Beatriz Patachão
Lisboa

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segunda-feira, dezembro 30, 2013

30 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

Continuavamos a correr o mais rápido que podíamos, o Rui movia-se a uma velocidade estonteante, e aos poucos comecei a perdê-lo de vista, a sirene soava cada vez mais alto... Continuei a correr, sozinho, Rui desaparecera no horizonte. Um horizonte cada vez mais desprovido de árvores, continuei o mais rápido que pude, até perceber que não havia mais por onde continuar, o caminho dava a um penhasco, a velocidade a que eu corria era tal que não tive tempo de travar e foi então que o chão desapareceu, e estava em queda livre... Acordei num sobressalto, completamente transpirado, um imenso branco cegou-me os olhos.       

Estava outra vez no quarto branco, todo almofadado. Branco. Todo Almofadado. O lugar de onde o Berg, Greb e Rui me resgataram. Tudo estava igual, intacto. O espelho continuava no sítio. Olhei de perto, tentando perceber o que de errado se tinha passado. Quando me voltei, dei um berro de surpresa, o homem, aquele homem, que ainda à horas pareceu-me ter visto, estava mesmo à minha frente!
- Andaste a viajar neste últimos dias, não é verdade?- disse-me
- Han? Não percebo
            O homem soltou uma gargalhada e proferiu: “Está a chegar o dia em que irás perceber.”

André Carvalho

Vieira do Minho

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domingo, dezembro 29, 2013

29 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

Voltei a sentir-me a viajar, voltei a ver aquele homem, e os meus olhos fecharam-se de novo. Uns clarões de luz invadiram-me a visão mesmo com as pálpebras fechadas! Quando os meus olhos finalmente se adaptaram à luz comecei a ter alguma nitidez na visão, daquele homem de bata! Pareceu-me reconhecê-lo… Os meus olhos lutavam para se manterem firmes e eu lutava para os manter abertos, até que foi demais… Fechei os olhos e quando abri voltei a ver Rui à minha frente batendo-me na  cara:
-Desmaiaste pá! O que é que se passa contigo? Estás doente?

Ele ia continuar a falar, mas uma sirene começou a tocar muito alto obrigando os pinguins a correrem atarantados e a tentarem escapar. O cenário era tortuoso, geleiras a voar, pinguins feridos! Rui começou a correr e eu acompanhei-o! Quando finalmente chegámos a uma zona segura, Rui explicou-me:
-Foi um ataque dos Pandónios, acontecem dois por ano… Não esperávamos que nenhum fosse hoje!
-Mas o que são eles? O que foi isto?

-Rui ia começar a falar, mas outra sirene obrigou-nos a todos a recomeçar a correr.

João F. Sousa, Aveiro

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sábado, dezembro 28, 2013

28 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

- Francisco! – tornou o homem de bata branca, que se assemelhava assustadoramente a um dos enfermeiros do instituto em que estive preso.

Num primeiro impulso quis saltar e tocar nas costas dele, que estava agora debruçado sobre a minha imagem, sentada na cadeira. Contudo, assim que tentei fazê-lo, reparei que não conseguia mover-me. Fechei os olhos com toda a força, estava em pânico. Quando tornei a abri-los, fitava agora o homem de frente. Via agora o meu vulto encostado à porta, pelo canto do olho. A voz de Rui era agora praticamente imperceptível.

Quis perguntar o que se passava, e inspirei em busca de ar. Porém não conseguia falar, balbuciando apenas um conjunto de sons sem sentido.

- Diga Francisco, diga! – incitou-me o homem, claramente entusiasmado.

Calei-me, tentei inspirar novamente para uma nova tentativa. Mas rapidamente calei-me novamente. Junto do meu vulto que permanecia junto da porta como uma assombração, vi que uma figura mais pequena surgia ao seu lado. Berg espreitou para dentro da sala. Depois, agarrou no braço do meu vulto.
Como que teletransportado, vi-me uma vez mais na perspectiva do eu que estava junto da porta. Olhei para dentro da sala. Ouvia novamente a voz de Rui a chamar-me.

- Francisco! Não desista Francisco! – berrava agora o homem, transtornado com o estado catatónico para qual o Francisco da cadeira voltava.
- Vamos – disse Berg, simplesmente.
Quando me puxou senti-me a voar pelo corredor fora. A porta fechou-se e eu voltava a toda a velocidade para o Mamma Mia.
Assim que abri os olhos, Berg, Greb e Rui olhavam para mim com receio. Eu estava deitado no chão e só via as suas cabeças.

- Estás doido?? – gritou Berg, quando comecei a tossir e a dar a ideia de que queria levantar-me.
- Eu… eu…
- Se pedes a nossa ajuda tudo bem – afirmou Berg acaloradamente. – Mas depois não faças dessas!

Cada vez mais confuso levantei-me. Todos os pinguins e bacalhaus observavam-me com um ar preocupado. “Deve ser a tensão da competição”, ouvi um deles dizer para um companheiro. Até a lula gigante olhava para mim com um ar tenso.

- Deves-me explicações – declarei na direcção de Berg. – Preciso de saber exactamente o que se passa.

T.J.U, Lisboa

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sexta-feira, dezembro 27, 2013

27 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

Recordo-me de ter gritado. Não tenho bem a certeza, pois a sensação que tive foi a de o som que me rodeava ter sumido, tal como se estivesse dentro de água e tentasse escutar o que sucedia na superfície. Ouvia Rui chamar-me, mas o som da sua voz parecia cada vez mais distante.

Depois, como se vivesse simultaneamente em duas realidades perfeitamente distintas, visualizei um corredor lúgubre, ornamentado por várias portas de um aspecto já gasto e arruinado. Notei que me movia, mas não sentia o meu corpo a mexer-se. De facto, planava lentamente ao longo do corredor. Enquanto avançava paulatinamente no meio da semi-escuridão, uma das portas do corredor abriu-se subitamente, estava eu a cerca de três metros da mesma. 

Os ruídos que vinham do interior da divisão da porta que se abriu sobrepunham-se agora ao chamamento de Rui. Parecia que neste momento duas estações de rádio lutavam entre si, para decidir qual delas é que ficava com o tempo de antena.

Espreitei com cautela e a voz de Rui não era agora mais do que um zumbido enfraquecido e distante. Vi-me a mim mesmo sentado numa cadeira decrépita, adormecido e alheio à realidade. À minha volta movia-se um sujeito que vestia uma bata branca, como se tentasse entrar em contacto comigo.

- Francisco! Está a ouvir-me, Francisco?


A minha imagem somente fitava o tecto. Eu, por outro lado, agarrava agora a porta com todas as minhas forças, abalado pelo terror do quadro que observava. 

Miguel Alves, Almada

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quinta-feira, dezembro 26, 2013

26 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

Estava tudo pronto para a realização do quizz proposto pelo Rui. O Mamma Mia estava todo enfeitado com bolas, luzes, bonecos de neve e fitas. Pela decoração, mais parecia uma comemoração natalina do que propriamente um concurso.

Os pinguins, nas suas geleiras, estavam completamente histéricos – acenavam, pulavam, cantavam, - parecia que estavam num jogo de futebol.
Os apoiantes de cada equipa estavam posicionados em lados opostos, de modo a que não houvesse nenhum tipo de confronto.
Quando vi a responsável pela realização do quizz, fiquei estupefacto. Tratava-se de uma lula gigante com ares de vedeta. Usava um vestido ao Marilyn Monroe e uma peruca ruiva. Os seus tentáculos estavam todos enfeitados com uma espécie de pulseiras.
- Ahhmmmm…. Rui, que “coisa” é aquela? – perguntei-lhe com cara de espanto.
- Ah! Aquela é Miss King Kong, a rainha das lulas. Foi expressamente convidada para este quizz por pertencer a campo neutro.
- Sei, um pouco assustadora, não?
- Que nada! Logo te habituas! Não te deixes impressionar pelo tamanho.
Greb e Berg estavam tão entusiasmadas com a realização do quizz, que nem sequer repararam na minha aflição.
- O Quizz vai começar! Os Grupos em competição que se aproximem – disse a Lula passando um dos tentáculos pela cabeleira ruiva.
- “Os Brutos” aqui estão – disse o Rui com convicção
- “Os Voadores” também aqui estão – referiu o outro pinguim, Rui Almas.

Bem – disse Miss King Kong – vamos começar então!... Um momento……. falta um bacalhau ninja!
Fez-se silêncio total na sala. Rui Almas começou a entrar em pânico. Sem o Rafatelo não poderia participar. 
De repente no Mamma Mia só se ouvia o nome do Rafatelo.
- Já pararam para pensar que ele é um ninja? – disse Leoguel, o outro bacalhau ninja, que tinha ficado quieto no seu lugar.
- Então, sabes onde ele está? – perguntou Rui Almas com ar de consternação.
- Não, não sei, mas esconder-nos e desaparecer é algo que fazemos com distinção.

De repente, ouviu-se um barulho. Todos começamos a procurar a origem do som, até que, vimos o Rafatelo encima da MusicBox do Mamma Mia.
Rui Almas estava tremendamente zangado.
- Queres estragar o quizz? Esta competição é de extrema importância para nós.
- Peço desculpa, amigo, mas fui chamado e tive que responder ao pedido.
- Mandaram-me entregar-te isto – disse Rafatelo, estendendo-me a mão na qual estava um colar.
Fiquei branco quando vi o colar. Era o mesmo que Mariana levava, no dia em que foi encontrada morta no meu quarto. Ao examiná-lo de perto reparei que era um colar de pérolas e, que em cada uma delas estava escrita uma letra. Juntando todas as letras, o colar dizia “A minha vida pela tua”. Nesse momento, congelei. Ouvia a voz do Rui a chamar por mim ao longe, como se estivesse num túnel. Não era capaz de reagir.  


Estela Almeida, Ponte de Lima 

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quarta-feira, dezembro 25, 2013

25 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

Fui acordado pelo Rui, que me disse que ia organizar uma competição entre os dois polos, para provar qual era o polo mais forte. Greb e Berg já tinham sido arrastados por toda aquela azafama, causada pelo pinguim que mal conseguia andar direito.

Como não tive opção de escolha, perguntei ao Rui que tipo de competição ele queria fazer; por momentos ainda pensei que fosse uma competição de saltos para um abismo de água gelada.
Rui responde-me de forma confiante: Vamos fazer uma competição de cultura geral, uma especie de quizz, estás a perceber Fernando?
- Perfeitamente Rui, mas como é que pensas fazer isto neste dia?
- Já falei com o pinguim do outro polo, o Rui Almas, ele vai organizar o evento depois da meia-noite.
- Depois da meia-noite porquê? Perguntaram Greb e Berg
- Depois da meia-noite, para vocês comemorarem o vosso Natal. Depois disso, passamos a coisas sérias!
- E já pensaste num nome para a equipa? Perguntei-lhe desconfiado.
- Sim, vai se chamar “Os Brutos”!
- Os Brutos porquê? Voltei a perguntar-lhe em tom ainda mais desconfiado
- Os Brutos, porque tu e os anões Berg e Greb vão estar na minha equipa!
- Mas porque raio nós vamos fazer parte da tua equipa? Não sabemos nada sobre a vida de um pinguim! 
Perguntaram Greb e Berg revoltados.

- O quizz é sobre cultura geral, não é apenas sobre a vida dos pinguins. Além disso, o Rui Almas também já arranjou uma equipa!
- Ai arranjou?! Perguntei-lhe em tom surpreendido. Não fazia ideia que os pinguins fossem tão competitivos.
- Sim, os bacalhaus ninja e o PumbaNaIrina fazem parte da equipa do Rui Almas!

No final daquele dialogo todo, apesar de não ter ficado convencido, concordei em ajudar o Rui. E enquanto nós começamos a jantar de Natal, o Rui estava a estudar de incessantemente.
Comemos, bebemos, ri-mo-nos, até que a meia-noite chegou e fomos ao encontro do tão falado quizz entre pinguins, que se estava a realizar no Mamma Mia, terreno neutro para não haver confusões.
O Mamma Mia fica no equador e a parte engraçada disto tudo foi ver pinguins em geleiras, como fossem uma especie de petisco que se leva para a praia.


Pedro Matos, Santarém

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terça-feira, dezembro 24, 2013

24 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

Acordei com o barulho que Berg e Greb faziam a tentar arranjar o elevador. Berg ainda estava zangado com Rui, culpando o Pinguim pela sua escolha!
-Se não fosse a tua ideia de virmos de elevador, não tínhamos passado a noite inteira a fazer isto!
Intrigado, perguntei-lhes:
-Mas vocês não dormiram?
Berg riu-se:
-Nós? Dormir? Nós só vivemos 500 e poucos anos, se ocupássemos tempo a dormir, só nos sobravam cerca de 300 anos, não conseguíamos fazer nada com esse tempo. Vocês humanos é que se podem dar a esse luxo…
Calei-me, percebendo que Berg não fazia ideia do tempo de vida de um humano… Do outro lado Greb continuava a puxar uma corrente metálica que teimava em não ceder! Já Rui, permanecia sentado a mexer em algo que me pareceu um peixe.
Berg pendurou-se numa das correntes e tentou fazê-la correr com o seu peso… A corrente permaneceu imóvel. Berg, olhando para Rui, exclamou:
-Tu é que podias vir ajudar!
-Estou a comer.-respondeu Rui serenamente.
-Estiveste toda a noite a comer!-gritou Berg
Interrompi a discussão, dizendo:
-Eu posso ajudar, o que precisam?
Berg olhou sarcasticamente para mim:
-Francisco, agradeço imenso, mas isto não são tarefas para ti!
-Porquê?
-São tarefas de força-respondeu Berg.
-Mas o que querem fazer-insisti.
Berg, condescendentemente, lá disse:
-Precisamos de puxar esta corrente.
Levantei-me e dirigi-me até à corrente, agarrei-a e quando me preparava para puxar ela cedeu automaticamente, o material tinha a leveza de uma pena. Berg, Greb e Rui fitaram-me atónitos. Observei os meus 3 companheiros e perguntei:
-Era só isto?
Os 2 anões estavam sem palavras, já Rui começou a rir, batendo as patas enquanto dizia:
-A noite toda, ahahahaha  a noite toda, boa Berg!

Greb juntou aquela corrente com outra e o elevador começou a andar, chegámos ao terceiro terraço da terra, amanhã conto o resto, agora tenho de ir jantar com Greb e Berg, ao que parece os anões também comemoram o natal! Rui recusa-se a participar em qualquer comemoração natalícia (penso que está relacionado como uma rivalidade entre os pólos, eles no polo sul têm uma festa semelhante algures em Maio).


Mariana Trigo Marques
Lisboa

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segunda-feira, dezembro 23, 2013

23 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

Acordámos cedo com o intuito de chegar ao segundo terraço da terra o mais cedo possível. Encetámos uma caminhada por entre pequenos vales. Greb e Berg discutiam com Rui sobre o reinado dos ratos (assunto do qual nada entendi), depois falaram da evolução da centopeia (assunto que eu também não compreendi). 

Por minha vez limitei-me a ir andando e a observar o que me rodeava. Um mundo em nada parecido com aquele que outrora tinha sido o meu. 

Já após ter percorrido cerca de 5 ou 6 quilómetros,  é que me apercebi com estupefacção que os vales estavam também a andar, e só aí é que me apercebi com uma estupefacção ainda maior que os vales eram na realidade as carapaças de escaravelhos gigantes que caminhavam no horizonte, numa migração típica desta época (conforme me explicou Rui).

Quando chegámos a uma baía de musgo, Rui apontou para um elevador situado anacronicamente mesmo no centro da baía, e exclamou:
-Apanhamos aquele é mais fácil!

Seguiu-se uma longa discussão entre Berg e Rui sobre as vantagens de apanhar ou não o elevador, mas eventualmente Rui levou a melhor e seguimos todos para o ascensor dourado.  O elevador não tinha botões, e era composto por um mecanismo de correntes  que me pareceu bastante antiquado. Tínhamos começado a subir há pouco, quando o elevador parou. Berg olhou fulminantemente para Rui, e eu percebi que o elevador se tinha avariado. Iniciou-se mais uma longa discussão entre o anão e o pinguim que dura até agora. Como me sinto a ser vencido pelo cansaço, vou deixá-los continuar a discutir e tentarei dormir.

Miguel Estorninho
Abrantes

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domingo, dezembro 22, 2013

22 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

Permaneço sem saber se estou a sonhar ou se estou acordado. Ou mesmo se estou a sonhar acordado. Várias vezes dei por mim durante o dia de hoje a pensar se não estaria ainda no interior da minha cela, com um fio de baba a escorrer pelo queixo e com um médico a observar o meu estado. Tendo em conta que neste momento escrevo debaixo de uma árvore, banhado por raios de Sol quentes em pleno Dezembro, e que me faço acompanhar por dois anões e um pinguim falante… Não é muito difícil imaginar-me totalmente catatónico na prisão.

Depois de pensar sobre isso, decidi abordar Berg:

- Isto é real? Ou estou a sonhar?

Berg riu-se na sua tosse rouca e fez uma breve pausa, como se pensasse profundamente no que ia dizer.  

- Qual é que é a diferença?

Fiquei mudo.

- Qual é, neste momento em particular da tua vida, a diferença entre estares a falar com o Pierre, com um guarda da prisão, comigo ou com o Rui?

Desta vez sorri.

- Ora, vá lá Berg… Faz toda a diferença!

- Porquê?

- Porque é preciso saber o que é real!

- Estamos a falar, não estamos?

Cheguei à conclusão de que poderia ser frustrante falar com este grupo improvável do qual eu agora fazia parte. Decidi não insistir muito mais sobre o tema, mas não resisti a fazer uma última pergunta.

- Berg? – chamei ainda.

- Sim, Francisco?

- Se isto for real… Onde é que estamos?

- Numa floresta situada no primeiro terraço da Terra.

- Ah, certo…

Tinha cada vez uma maior certeza de que era maluco. Não estava a ficar demente. Perdera já a pouco sanidade que alguma vez possuí. E se assim era, mais valia encolher os ombros e absorver o que o meu cérebro queria transmitir-me.

Muito bem. Vou agora fechar o diário e descansar. Amanhã irei com os meus novos amigos procurar as escadas que dão para o segundo terraço da Terra. Precisamos de subir até ao quinto terraço para chegar ao mundo de Berg, Greb e Rui.


Teresa Silva, 
Portimão

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sábado, dezembro 21, 2013

21 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

Acordei, com o ânimo costumeiro dos últimos dias… nenhum. Cada dia me pesa mais que o anterior. Olhei para o espelho e rapidamente me lembrei de Berg e Greb, os dois anões que conheci ontem. Os dois anões que habitam no espelho, e cuja existência o meu cérebro começa a aceitar.

Coloquei-me em frente ao espelho e de novo recitei o número de telefone. Poucos segundos tardaram para que Berg e Greb, aparecessem lá ao fundo. Desta vez, porém, avançaram cautelosos, temendo a minha reacção e em passos subtis chegaram até perto de mim.

-Chamou-nos de novo. Sente-se mais calmo.

Limitei-me a responder com um aceno afirmativo, tentando manter-me tranquilo no ténue equilíbrio entre a loucura e o temor.

- Bom, então vamos ajudá-lo!

Fitei expectante os dois anões gordos, sem saber o que esperar ou fazer.

-Feche os olhos e pense com muita força em pinguins!

Confuso e estupefacto, permaneci em pé, de olhos abertos, a fitar os anões.

Berg, ficando impaciente, exclamou:

- Vá, vai ter de confiar em nós, feche os olhos e pense em pinguins.
Por um impulso inexplicável, decidi aceder ao pedido do anão. Fechei os olhos e comecei a pensar num pinguim, a caminhar de forma tosca… Deixei-me ficar nisto algum tempo. Quando voltei a abrir os olhos, reparei chocado, que estava um pinguim parado mesmo ao lado. Os anões riam-se e o pinguim também. Berg apressou-se a explicar:

-Pronto confesso que esta foi só para chamar o nosso amigo Rui, já não o víamos há uns tempos e nós não o podemos invocar.

O pinguim endireitou-se e estendendo-me a pata disse:

-Sou o Rui, muito prazer.

Apertei a pata ao pinguim, já nada me parece ilógico.

Berg, recomeçou a falar:

-Bom, agora vamos fazer isto a sério, feche os olhos, e pense em voar…

Fechei os olhos e imaginei-me a voar, enquanto imaginava ouvi Berg:

-Agora imagine uma explosão…

Imaginei a explosão e de repente ouvi um estrondo. Abri os olhos e todo o edifício tinha explodido e eu estava a voar, com Berg, Greb e Rui. Berg fitou-me e gritou:

-Você está livre! Livre!

Nesse instante ambos os anões começaram a rir e a comemorar, o pinguim juntou-se a eles, e eu acabei por me juntar também. Foi entre gargalhadas que percebi, estou livre, estou mesmo livre.



Rui Pedroso,
Minho

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sexta-feira, dezembro 20, 2013

20 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

Não sei bem o que dizer do dia de hoje, penso que estou definitivamente maluco. O meu cérebro foi obrigado a suportar tanto, que assinalo o dia 20 de Dezembro de 2013 como o dia em que ele afirmou “basta”.

Depois de dar várias voltas dentro da minha gaiola imaculada, depois de tanto pensar e depois de tantas voltas dar, decido fazer algo ilógico. Um daqueles actos que fazemos por puro instinto. Encaro o meu reflexo no espelho que surgiu na divisão e recito o número de telemóvel que ontem foi escrito numa das paredes.

Após alguns segundos, aconteceu aquilo que eu ainda não sei se aconteceu. Vou assumir desde já que não. Ouvi alguns passos vindos do interior do espelho. Incrédulo, encostei o ouvido ao mesmo. Não havia dúvida de que ouvia passos. Afastei-me e observei a figura de dois anões velhos e gordos que caminhavam na minha direcção, como se o espelho tivesse uma profundidade própria.

Recuei alguns passos e vi que eles encostaram o enorme nariz ao lado de lá do espelho, como se estivessem a estudar uma montra. Gritei.

- Oiça, não é preciso gritar, está tudo bem – disse o anão de cabelos mais curtos. O outro riu-se roucamente.

- Temos uma coisa para lhe mostrar – afirmou o segundo anão. Era mais velho e tinha uns densos cabelos grisalhos.

Senti os joelhos a cederem ao meu peso.

- Afinal de contas ligou para o nosso número. É preciso esse aparato todo? – perguntou o anão mais velho. – Eu sou o Berg. Aqui o meu amigo é o Greb. Viemos ajudá-lo.

Não consegui dizer uma palavra.

- Vai ficar aí ajoelhado? – Disse Greb, coçando os seus cabelos negros e curtos.

- Eu… eu…

- Dê-me a mão – ordenou Berg com simplicidade. Depois esticou a sua, que atravessou o espelho.

E ali ficou Berg, esperando com uma mão esticada que abanava ligeiramente, como se procurasse agarrar a minha mão. Foi aí que ganhei forças para gritar novamente. E desta vez gritei tanto com esta cena macabra, que Berg foi obrigado a tirar a mão rapidamente.

- Pronto, já fez merda! – disse ainda Greb, enquanto os dois anões fugiam no espelho para fora da minha vista.

Segundos depois a porta da minha cela abriu-se e fui drogado por aquilo que me pareceu ser uma sonda que disparava dardos tranquilizantes.

O pior no meio disto tudo, é que já é de noite mas não consigo dormir. Volta não volta, oiço a tosse rouca de Berg vinda do espelho.




O Caçador de Batatas,
Horta situada num quintal

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quinta-feira, dezembro 19, 2013

19 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

Fui ouvindo os barulhos da noite, e num adágio quente e dilacerante, as insónias vinham em catadupa, ecoando o teu nome, Mariana.
Começo-me a confundir entre os sonhos e a realidade. Será a vida uma constante luta entre o discernimento de olhos fechados e de olhos abertos, enquanto isso, vou dormindo de olhos abertos, para a que a culpa venha sem o olvido de sonhos.

Derrotado pela frenética luz da minha lucidez nocturna, levantei-me, e foi com o corpo jazido nas lajes frias do meu chão que descobri um número escrito na parede, parecia-me um número de telemóvel, pelo menos partilhava um indicativo sobejamente conhecido e os nove algarismos da ordem, estava escrito a giz branco, e escurecia-me a alma cada vez mais. O medo percorria-me as veias, e a adrenalina da iminente descoberta que dali poderia fazer , alterava-me a insónia, para uma profunda vivacidade do meu ser, não iria dormir hoje, mas também já não o desejava.  Acordado, sonhava apenas em conseguir chegar ao destinatário daquela charada algorítmica. E o teu nome Mariana ecoava uma vez mais, cada vez mais perto, cada vez mais longe.



Diogo Moreira

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quarta-feira, dezembro 18, 2013

18 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

Hoje acordei e tinha o diário a meu lado outra vez. Estarei mesmo a ficar louco? Terei imaginado tudo que me aconteceu ontem? Eu lembro-me de eles terem entrado, de me terem prendido por eu lutar com todas as minhas forças pela minha única forma de me manter lúcido… e de mo terem levado! E agora tenho-o cá. Não percebo! 

Enquanto escrevo olho em volta, e tento organizar o meu pensamento. Não posso perder a minha capacidade de raciocino, a minha lógica! Mas… agora reparando no que me rodeia, vejo que algo se passou. Mudaram a disposição dos objectos e dos móveis. E agora tenho um espelho! Mas qual o propósito disto? O que é que querem de mim? Será que sabem o meu segredo? Tenho medo!

Cláudia P

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terça-feira, dezembro 17, 2013

17 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

O que eu temia aconteceu, descobriram o meu diário. Saíram para chamar alguém, de certeza que me vão confiscá-lo. Este diário é a única coisa que me prende à sanidade…Se mo tirarem, não sei como será! Oiço passos, estão a chegar, provavelmente nem vou acabar esta fras…




Vasco Santana,
Lisboa

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segunda-feira, dezembro 16, 2013

16 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

Um novo dia e tudo na mesma. Não tenho qualquer contacto com outra pessoa, desde que me encontro prisioneiro desta sala de um branco que agora me parece quimérico.

Mais uma vez acordei de uma sesta que não sei se me durou três minutos ou oito horas.  Mais uma vez tinha disposto perante mim um tabuleiro, os talheres de plástico e duas tigelas (uma de sopa e outra com uma comida de sabor bastante duvidoso).

Desta vez tentei porém comunicar com o exterior, ao invés de ficar em silêncio como fizera ontem. Esperar que alguém venha até mim está a deixar-me bastante inquieto, pelo que depois de ter comido comecei a gritar para o vazio, pedindo que me viessem buscar o tabuleiro. Não veio ninguém, tal como o meu íntimo já previa. Depois, com o meu lápis desenhei dois riscos paralelos numa das paredes da divisão. Não sabia quanto tempo ia ser deixado sozinho, por isso não queria perder noção do tempo. Essa noção já era de certo modo inexistente, mas ao menos assim ficaria com uma ideia, por muito abstracta que fosse.

Foi após mais algumas horas que fiquei realmente nervoso. Tinha estado a fazer exercício para manter a mente e o corpo ocupados e acabei por ceder ao cansaço. Quando despertei um novo tabuleiro esperava por mim. Contudo, sem que me apercebesse, alguém entrara no quarto para limpar os dois riscos que tinha feito na parede para não perder a noção dos dias. Como é que é possível não acordar cada vez que alguém vem à minha cela?

Ergui-me e comecei a gritar, ao mesmo tempo que desferia murros e pontapés na porta. Nada.

Quando é que será que vem alguém? 


Rita Pereira,
Coimbra

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domingo, dezembro 15, 2013

15 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

Não sei ainda o que pensar desta nova situação. Não sei se estou ainda na prisão ou se estou num hospício. Os efeitos práticos não são muito distintos, pois estou de qualquer modo enclausurado entre quatro paredes. A única diferença reside possivelmente no contraste entre ter paredes sujas ou de um branco ironicamente puro.

Há apenas dois episódios que a meu ver ganham relevância para serem anotados.

O primeiro é que só me servem refeições quando durmo. Digo isto porque das duas vezes que despertei de um ténue descanso, descansava um tabuleiro junto da porta do cubículo com um prato de sopa e uma mistela que sabia a comida de hospital. Tudo com talheres de plástico a acompanhar. Não notei a porta a abrir em nenhuma das vezes, creio que estava demasiado fatigado para tal. Como o meu quarto não tem luminosidade natural, não faço ideia de qual dos tabuleiros era o almoço e o jantar.

O segundo momento de relevo sucedeu após algumas horas. Mais uma vez acordei de um sono leve, altura em que sonhava com o vulto de Mariana a deambular junto das minhas memórias. Olhei para a porta e encontrava-se um pequeno livro com um lápis. Mal pude acreditar que era o meu diário, que continha ainda todas as páginas soltas que eu havia escrito nestes últimos dias, já na prisão.

Confuso, estou tão confuso. O silêncio impera em demasia neste local. Começo a sentir falta de sons. Só tenho o raspar do lápis no meu diário a fazer-me companhia, que começa a ser insuficiente para fazer frente aos ecos do meu pensamento.


Luís Antunes,
Albufeira


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sábado, dezembro 14, 2013

14 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

As luzes ferem-me os olhos. Um desalento preenche-me a alma. Mariana estava à minha espera do outro lado. Sei-o, porque o senti, naquele limbo a que me sujeitei, mesmo antes de fechar os olhos e ansiar o pior, o odor adocicado dos seus cabelos penetrou-me as narinas e posso jurar que senti um suspiro seu ao meu ouvido. Desculpa, Mariana, mas não consegui encontrar-te.

A muito custo olho à minha volta e confirmo as minhas piores suspeitas: estou vivo e na enfermaria. Não deixei a loucura entrar, mas deixei-me entrar na loucura. Tento mexer-me, mas não consigo. O meu corpo não reage. Uma sensação de pânico e angústia envolve-me. Estou preso dentro do meu próprio corpo, refém dele e tenho-te tão perto! Os meus pulsos ardem-me e sinto náuseas. Quero fugir, desaparecer, não aguento mais este inferno tão perfidamente organizado para me infligir dor! Porquê tudo isto?! "A minha vida pela tua, uma vez mais". Querem a minha vida? Levem-na! Tornou-se obsoleta, inútil para mim. Tudo o que eu anseio, tudo o que eu espero, também me espera noutro local. Preciso de me libertar das amarras físicas que me prendem a este Mundo que há muito deixou de ser meu! Desculpa, Mariana, mas ainda vou demorar...

Acordo algumas horas depois, ou talvez muitas horas, não sei. Dois médicos observam-me e Vicente está a meu lado. Os médicos trazem máscaras de protecção e não lhes vejo a cara nem as expressões. Falam e classificam-me de suicida, querem colocar-me numa cela com vigilância constante... Nada que eu não esperasse muito menos que me importasse. Mas Vicente traz uma expressão carregada. Olha-me com tristeza e penso até vislumbrar uma certa empatia. Será este um aliado? Terá respostas? De súbito, Vicente afasta-se e os médicos injectam-me algo que me arrefece o corpo. Sinto as entranhas a adormecerem, lentamente, até que expiro e adormeço.

Sonho muito. Sonhos agitados e confusos. Sinto-me na frente de batalha da Normandia, no Dia D, e uma granada acaba de cair a meu lado. Um soldado atira-se para cima dela e antes de esta rebentar diz: "A minha vida pela tua, uma vez mais". Levanto-me e corro! Corro pela praia, aterrorizado, esperando que as balas me trespassem o corpo, me levem o sangue impuro e que já deveria ter sido derramado! Mas todas as balas me falham e acertam noutros que gritam: "A minha vida pela tua, uma vez mais!" Por fim, encosto o cano da espingarda à boca e disparo.

Estou num quarto novo. Todo branco, almofadado. Tenho apenas uma cama e um cobertor. Enrolo-me no cobertor e encosto-me a um canto do quarto. Sinto uma comichão no antebraço e coço-me. Uma dor latejante atinge-me e a minha camisa fica ligeiramente corada de vermelho. Descubro uma nova tatuagem, para me relembrar do que sou e para onde vou: "Mariana". Agora não me esqueço mais do meu propósito e, pelos vistos, nem eles querem que me esqueça. Desculpa, Mariana, mas vais ter de esperar mais um pouco...


Pedro Afonso
Aveiro

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sexta-feira, dezembro 13, 2013

13 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

O meu pai costumava dizer que a loucura não entra a menos que lhe preparemos uma boa festa de boas-vindas.
Aqui, deitado no meu próprio terror, abraçado à minha confusão, sinto que pinto de negro todas as recordações boas que me passam pelos olhos; e lembro-me do meu pai que costumava dizer que a loucura não entra a menos que lhe preparemos uma boa festa de boas-vindas.

Não sei por que me surge isto agora.

Sinto-me cansado e penso no que o meu pai diria se me visse agora. Penso no que Mariana diria se estivesse aqui.
“A minha vida pela tua” entoando a intervalos regulares nos meus ouvidos, lacrado na minha pele; agrafo-me por dentro com os recentes acontecimentos e não lhes encontro sentido algum.

Se o meu pai estivesse aqui agora…

Sinto um abanão. O Vicente está a gritar por ajuda e tenta estancar o sangue que sai do meu corpo. Sinto-me fraco e confuso. O que fui eu fazer? Por que voltaram as alucinações? Por que morreu Mariana?
Uma voz feminina, histérica, a pressionar-me os pulsos com gaze, pergunta:
  
- Como é que ele fez isto? - talvez seja Teresa, a enfermeira-estagiária.

Sinto-me a desfalecer; e antes de fechar os olhos, ainda ouço o Vicente responder-lhe:

- Roubou-me o bisturi.

Depois, como num sonho, alguém me sussura ao ouvido: Não deixes a loucura entrar.

E eu decido não deixar.

Tânia Azevedo
Braga


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quinta-feira, dezembro 12, 2013

12 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

Após algumas horas a lutar contra o sono, adormeci.
Acordei na cela, de novo, e voltei a olhar para o meu braço. “A minha vida pela tua”, o que quererá dizer? Quem quer que a tenha escrito, quem quer que tenha sido, não deve ter boas intenções.
As alucinações pararam. Há algumas horas que estou lúcido. Dói-me muito a cabeça e as minhas pernas parecem ser uma parte independente de mim. Não as sinto e por mais que tente andar, não o consigo fazer. Provavelmente, é apenas mais um efeito de uma das muitas drogas que me têm sido administradas.
Tenho os meus braços com muitos buracos e tiras marcadas devido aos inúmeros garrotes que me fizeram para me poderem drogar.
                               
Oiço alguma coisa do lado de fora da porta, será apenas mais um enfermeiro que me vem buscar para me darem mais uma dose? Sinceramente, nem quero saber, simplesmente peço a alguém que me tire daqui o mais depressa possível.
Entraram na cela.
- Levanta-te. – disse um enfermeiro. Este enfermeiro era novo, tinha um crachá no peito que indicava o nome. Chamava-se Vicente. Aparentava ter  mais ou menos a minha idade. Talvez mais novo.
- Não sinto as pernas. Não me posso levantar. Ajude-me.
- Está certo. Sente-se. E eu agarrar-lhe-ei as mãos.

Acto contínuo, sentei-me. Ao sentar-me na cama, reparei que havia um bisturi no lavatório. Disse que queria lavar a cara, apanhei-o e pu-lo no bolso. Ao olhar-me ao espelho, notei que tinha uma cicatriz na cabeça, como se a tivesse partido. Não sei o que se passou. A minha mente parece estar mais lúcida e, de certa forma, mais sã do que anteriormente.
- Está pronto? Segure-se. – interrompeu Vicente.
Saí da cela e, quando passei por um corredor, pareceu-me ver o corpo de João. Estaria ele morto? Estaria desmaiado? Devia ir investigar, pensei. Que tal fazer o enfermeiro como refém e implorar para que me deixassem sair? Demasiado arrojado, supus. Vou ter que pensar em algo mais simples. Não sou nenhum Stallone para conseguir fazer tamanho acto. 

Ao fundo do corredor, entrámos numa porta à esquerda.
Era uma sala escura, apenas com uma luz ao meio, no tecto. Parecida a uma sala de operações.
Ao fundo, estava um vulto, sentado numa cadeira, amarrado. Tentei visualizar quem era, mas a minha visão turva, não me deixou. Estaria a alucinar outra vez? Quem seria aquele vulto que estava sentado, amarrado ao longe? Seria João? Seria Pierre? Seria... seria...
Ao longe, vi. O vulto era Mariana.
- A minha vida pela tua, uma vez mais. – repetia Mariana maquinalmente.
- Mariana, Mariana! Fala comigo, tu estás bem?
E ela continuava, maquinalmente a repetir aquelas palavras que eu já vira antes, demasiadas vezes.
Peço que me tirem daqui o mais rápido possível antes que enlouqueça mais do que aquilo que já estou.
- A minha vida pela tua, uma vez mais.



Rui Miguel Godinho
Vila Viçosa

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quarta-feira, dezembro 11, 2013

11 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

Hoje não dormi, ou então estou a dormir. Já não consigo distinguir, não me lembro do que faço acordado, não me lembro do que sonho. A minha vida é um conjunto incessante de acontecimentos confusos. As palavras fogem do papel em que as escrevo, já nem elas me querem. Tudo é uma sucessão de vazios, entremeados por nadas e caos.

Eu sou um caos, e o caos rodeia-me de forma caótica. Tentei ler as páginas passadas do meu diário, mas não entendo nada. Não entendo o meu diário nem me entendo a mim próprio. O meu diário é um espelho de mim mesmo. As páginas escritas são incompreensíveis, as páginas em branco são o que resta da minha vida, e cada vez me parece mais plausível que fiquem por preencher. Já não penso, já não sinto, apenas respiro. Ou pelo menos acho que respiro, nem sei se estou a respirar neste momento. Hoje não dormi, ou então estou a dormir. Para o que tenho feito, pouco importa.

Vejo as minhas palavras fugirem do papel, e pararem na parede, logo ao lado da minúscula janela. Vejo-as a acenarem numa derradeira despedida. Vejo-as a formar a cara de Mariana, da minha mãe, do meu pai, de Pierre…Depois vejo-as partirem pela janela em busca de melhores locais, e melhores pessoas para as proferir. Escrevo mais e vejo cada letra juntar-se às suas companheiras nesta peregrinação rumo a um mundo novo. Um mundo longe de mim. Caminham devagar pois sabem que não tentarei impedi-las.


Já disse que hoje não dormi?  

Alberto Sousa
Óbidos

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terça-feira, dezembro 10, 2013

10 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

Cada dia que passa, chega-me com a certeza de que o meu caminho se inclina cada vez mais para um tenebroso final. O meu corpo mantém-se funcional (dentro dos limiares mínimos de sobrevivência), mas a minha mente definha. Mais do que perdido, sinto-me ausente. Mais do que ausente, sinto-me vazio. Mais do que vazio, sinto-me morto. Nada do que eu diga, faça ou pense tem qualquer valor para os outros. Nada do que os outros digam, façam ou pensem tem qualquer valor para mim.


Estou entregue a mim próprio, estou sozinho comigo, e por esta altura eu não sou grande companhia. Não sei se todas aquelas visões, se aquele monstro semelhante à Mariana existe no mundo terreno ou apenas na minha mente, mas sei que esse monstro existe comigo, e que não me vou livrar dele.


Pedro Saraiva
Lisboa

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segunda-feira, dezembro 09, 2013

9 de Dezembro 2013

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Depois de há tanto não saber de ti… Mariana. Esta saudade anda a tirar-me de dentro de mim, e a transformar-me em nada…

Sinto-me cansado deste vazio que teima em permanecer dentro de mim… vazio que também permanece fora de mim…

Só quando meus olhos te veem, tudo faz sentido. Mesmo não tendo sentido para quem está à minha volta. E adoro ver-te assim! A sorrir…

Finalmente Mariana está tranquila. Bruce já não mora mais ali, abandonou a gruta e os montes e voou para o lugar mais negro e frio que encontrou…pode ser que volte, mas por enquanto quer usufruir daquele sossego e transparecer essa felicidade sempre que aparecer…


Pierre olhava o dormir profundo de Francisco. Olhava para a sua tatuagem e desejava que nunca mais acordasse…

Susana Campos

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domingo, dezembro 08, 2013

8 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez


Sinto que permaneço num estado de permanente sonolência. Deus sabe o esforço que faço para ir escrevendo estas páginas. As pálpebras estão pesadíssimas e por vezes tenho a estranha sensação de que as minhas letras deixam um rasto de tinta no papel, que se vai contorcendo como uma serpente nos seus derradeirossegundos de vida. Estou a escrever com um lápis.

Quer isto dizer que muito provavelmente continuam a drogar-me. Ainda só não sei porquê. Gostava de saber o que me afecta. Eu tenho a noção de que estou a ter alucinações. Gostaria que o médico, o psiquiatra ou o enfermeiro fossem francos comigo. Eu não seria um daqueles malucos que se recusa sempre a acreditar que está a ficar maluco. Nem pensar. Eu seria um maluco muito mais afável. Isto porque neste momento penso que essa seria uma informação que iria deixar-me muito mais aliviado. Sofrer de esquizofrenia ou algo similar, implicaria que muitas das coisas que vi nos últimos dias foram fruto da minha imaginação. Doce pensamento.

Ghosts are real. Mariana… Seria uma mensagem do meu subconsciente? Será ela viva apenas na minha mente? E Pierre? Será ele também um ser criado nos confins da minha mente?

They live inside us. Que quererá esta frase dizer? Mais uma a adicionar a todas as outras frases que me obriguei já a decorar. A tatuagem que agora me acompanha, o poema na gruta… Quem vive dentro de nós? Os fantasmas? Ou os fantasmas de um ideal? Serão Mariana e Pierra ideais à beira de morrer?

And sometimesthey win. Por Deus, que façam já o xeque-mate e que acabem com isto de uma vez por todas.


Daniel Reis
Lisboa

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sábado, dezembro 07, 2013

7 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

A minha cabeça está a latejar. Não reconheço nada do que está à minha volta, nada me parece familiar, não sei como vim até aqui, e pela primeira vez ponho em causa a minha existência. Não sei dizer ao certo se o que ainda tenho consegue compensar o que perdi, se consegue compensar a Mariana, ou mesmo a minha sanidade.

Há uma última memória. Lembro-me de um homem já de idade, que me fitava como se estivesse a avaliar a minha lucidez, ou a falta dela. Talvez fosse o tal psiquiatra que todos diziam que eu precisava de “visitar”. Não sei dizer ao certo, nem sei que espécie de tratamento psicológico me tentou incutir. Mas lembro-me que foi então que tudo aconteceu.

As suas palavras foram de repente abafadas por algo muito mais poderoso, o consultório tornou-se num labirinto e os meus olhos em predadores à procura de um alvo que insistia em fugir da mira assim que davam por ele. Era ela. Quando parou tive a certeza. Aqueles olhos verdes massacrados mas irreconhecíveis. Ao seu lado fitava-me ironicamente uma frase, da qual me recordo como se a estivesse a ler agora mesmo.

“Ghosts are real. They live inside us. And sometimes, they win.”

Fiquei ofegante, incontrolável. Sei que tudo mudou nesse momento e apercebi-me que nunca mais vou ser o mesmo Francisco de sempre. É angustiante pensar que toda a tua vida pode dar uma completa reviravolta em menos de um piscar de olhos.

As dores continuam, e as pancadas tornam-se mais fortes à medida que me esforço para me relembrar do que realmente aconteceu. O que mais me perturba são as marcas que tenho no meu corpo. Todo ele se queixa e não sou capaz de arranjar uma explicação.

Pierre… Lembro-me da sua presença. Como é que ele entrou naquela sala? Porquê? Estará ele a causar isto tudo? Mas como? Porque continuo a desconfiar dele? Logo dele… Estou a enlouquecer e a afundar-me em perguntas. Já não sei de mim.


M. M.
Coimbra

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