sábado, dezembro 14, 2013

14 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

As luzes ferem-me os olhos. Um desalento preenche-me a alma. Mariana estava à minha espera do outro lado. Sei-o, porque o senti, naquele limbo a que me sujeitei, mesmo antes de fechar os olhos e ansiar o pior, o odor adocicado dos seus cabelos penetrou-me as narinas e posso jurar que senti um suspiro seu ao meu ouvido. Desculpa, Mariana, mas não consegui encontrar-te.

A muito custo olho à minha volta e confirmo as minhas piores suspeitas: estou vivo e na enfermaria. Não deixei a loucura entrar, mas deixei-me entrar na loucura. Tento mexer-me, mas não consigo. O meu corpo não reage. Uma sensação de pânico e angústia envolve-me. Estou preso dentro do meu próprio corpo, refém dele e tenho-te tão perto! Os meus pulsos ardem-me e sinto náuseas. Quero fugir, desaparecer, não aguento mais este inferno tão perfidamente organizado para me infligir dor! Porquê tudo isto?! "A minha vida pela tua, uma vez mais". Querem a minha vida? Levem-na! Tornou-se obsoleta, inútil para mim. Tudo o que eu anseio, tudo o que eu espero, também me espera noutro local. Preciso de me libertar das amarras físicas que me prendem a este Mundo que há muito deixou de ser meu! Desculpa, Mariana, mas ainda vou demorar...

Acordo algumas horas depois, ou talvez muitas horas, não sei. Dois médicos observam-me e Vicente está a meu lado. Os médicos trazem máscaras de protecção e não lhes vejo a cara nem as expressões. Falam e classificam-me de suicida, querem colocar-me numa cela com vigilância constante... Nada que eu não esperasse muito menos que me importasse. Mas Vicente traz uma expressão carregada. Olha-me com tristeza e penso até vislumbrar uma certa empatia. Será este um aliado? Terá respostas? De súbito, Vicente afasta-se e os médicos injectam-me algo que me arrefece o corpo. Sinto as entranhas a adormecerem, lentamente, até que expiro e adormeço.

Sonho muito. Sonhos agitados e confusos. Sinto-me na frente de batalha da Normandia, no Dia D, e uma granada acaba de cair a meu lado. Um soldado atira-se para cima dela e antes de esta rebentar diz: "A minha vida pela tua, uma vez mais". Levanto-me e corro! Corro pela praia, aterrorizado, esperando que as balas me trespassem o corpo, me levem o sangue impuro e que já deveria ter sido derramado! Mas todas as balas me falham e acertam noutros que gritam: "A minha vida pela tua, uma vez mais!" Por fim, encosto o cano da espingarda à boca e disparo.

Estou num quarto novo. Todo branco, almofadado. Tenho apenas uma cama e um cobertor. Enrolo-me no cobertor e encosto-me a um canto do quarto. Sinto uma comichão no antebraço e coço-me. Uma dor latejante atinge-me e a minha camisa fica ligeiramente corada de vermelho. Descubro uma nova tatuagem, para me relembrar do que sou e para onde vou: "Mariana". Agora não me esqueço mais do meu propósito e, pelos vistos, nem eles querem que me esqueça. Desculpa, Mariana, mas vais ter de esperar mais um pouco...


Pedro Afonso
Aveiro

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