domingo, dezembro 01, 2013

1 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

Depois da noite de ontem, atravessei todo o dia de hoje como um espectro trémulo e temente, evitando encarar qualquer pessoa que comigo se cruzasse. Consegui manter-me incauto e mudo, até à hora de almoço (os nossos horários aqui, são regidos unicamente, pelo sol e pelas refeições) foi aí, que as bizarrias regressaram. No pátio, um homem de cabelo grisalho aproximou-se: “eu também vi”. Fitei-o e juntei este evento à lista das minhas alucinações quotidianas, por isso ignorei. Após dois passos, ele gritou “eu também vi”, virei-me para trás e dirigi-me para ele, encarando-o, nesse momento ele virou as costas e foi-se embora.

Já passava da hora de jantar, quando ele veio até à minha cela. Supus que por aquela altura, as celas já devessem estar trancadas, mas ele sem dificuldade abriu a portada de grade e sentou-se no meu colchão. Durante largos minutos, limitou-se a ficar ali calado, eu imitei-o. Reparei que ele observava a minha cela e os seus olhos esgazeados, vagueavam livremente, até que se fixaram num ponto. No exacto ponto, onde ontem apareceu a Mariana (ou o que restava dela). Apontando com o dedo, disse-me: foi ali que ela apareceu, não foi? Ainda que incrédulo, tentei simular uma aparente calma, respondendo apenas: “como é que sabes disso?”.

Ele, no mesmo tom vazio, respondeu: “eles imitam-se uns aos outros, e vêm sempre juntos”. Vendo o meu olhar assustado, o velho levantou-se e disse: “não te preocupes, eles só voltam daqui a três dias”. Caminhou para a porta da cela e já à saída, travou e virando-se para trás, exclamou (num tom totalmente antagónico ao anterior, esboçando até, alguma simpatia): “Chamo-me João, se precisares de alguma coisa, estou na cela em frente”.

Comecei este diário, há um mês atrás, não sei se o vou acabar.


André Monteiro,
Porto

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