terça-feira, dezembro 31, 2013

31 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

Hoje é o ultimo dia do ano, e por algum motivo acordo bem mais lúcido do que em qualquer
outro dia que tenha passado nos últimos tempos. Noto agora que os dias têm passado por mim
e não eu por eles.

Continuo num espaço completamente branco, digno de paz, mas tudo à minha volta me inquieta. Tenho um espelho que me reflete, mas sinceramente não sou eu que vejo. Ali, mesmo à minha frente está um corpo alterado, diferente daquilo que estou habituado a reconhecer, aquilo que ainda me lembro do que eu era.
O corpo magro, que agora tenho, pesa-me. As forças escasseiam, mas a vontade de perceber
onde estou e de poder sair deste lugar é maior.

Sinto que acordei de uma noite longa, em que excessos foram cometidos e não devem ser repetidos. Talvez tenha exagerado mesmo, pois não me lembro de nada do que se tenha passado. Por vezes tenho vagas memórias de anões e pinguins que me acompanharam em aventuras, mas nada disso faz sentido. Eu ainda consigo ser racional e perceber o que é realidade e o que não faz sentido. Quero memórias reais, de coisas capazes de terem acontecido e fazerem sentido nesta minha nova vida neste espaço branco que me acolheu,
mas não me deixa escapar.

Lá fora ouço passos de um lado para o outro, de um lado para o outro, e assim sucessivamente. Uma enorme agitação envolvida em risos e gritos de excitação. Estão nitidamente mais felizes do que eu, o que não é de estranhar. Recordo-me que nunca fui uma pessoa muito risonha ou até mesmo feliz. "A vida não me corre bem." A velha frase em que tão bem me aplico.

Lembro-me de novo, hoje é o último dia do ano. Lá fora devem estar esperançosos que um melhor ano virá, que objectivos e desejos se concretizaram. Cá dentro, eu já só queria ver um pouco do fogo de artificio que ouço, mas a única coisa que vejo, e que é algo semelhante, são clarões. Clarões de quem está fraco e de ressaca. Estou deitado num chão gelado, tremo, não de frio, mas sim de fraqueza. Sou um corpo
estendido que precisa de mais do que ser alimentado para recuperar. De todas as vezes que ouvia a música "Ratos", dos Linda Martini, questionava-me o que queriam eles dizer com a frase: "Os ratos vão-me
devorar". Hoje percebo, ou melhor, hoje sinto-o.

Beatriz Patachão
Lisboa

0 comentários: