sexta-feira, dezembro 27, 2013

27 Dezembro 2013

Publicada por Um Dia à Vez

Recordo-me de ter gritado. Não tenho bem a certeza, pois a sensação que tive foi a de o som que me rodeava ter sumido, tal como se estivesse dentro de água e tentasse escutar o que sucedia na superfície. Ouvia Rui chamar-me, mas o som da sua voz parecia cada vez mais distante.

Depois, como se vivesse simultaneamente em duas realidades perfeitamente distintas, visualizei um corredor lúgubre, ornamentado por várias portas de um aspecto já gasto e arruinado. Notei que me movia, mas não sentia o meu corpo a mexer-se. De facto, planava lentamente ao longo do corredor. Enquanto avançava paulatinamente no meio da semi-escuridão, uma das portas do corredor abriu-se subitamente, estava eu a cerca de três metros da mesma. 

Os ruídos que vinham do interior da divisão da porta que se abriu sobrepunham-se agora ao chamamento de Rui. Parecia que neste momento duas estações de rádio lutavam entre si, para decidir qual delas é que ficava com o tempo de antena.

Espreitei com cautela e a voz de Rui não era agora mais do que um zumbido enfraquecido e distante. Vi-me a mim mesmo sentado numa cadeira decrépita, adormecido e alheio à realidade. À minha volta movia-se um sujeito que vestia uma bata branca, como se tentasse entrar em contacto comigo.

- Francisco! Está a ouvir-me, Francisco?


A minha imagem somente fitava o tecto. Eu, por outro lado, agarrava agora a porta com todas as minhas forças, abalado pelo terror do quadro que observava. 

Miguel Alves, Almada

0 comentários: